sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Lúcia e o espelho

Olhou-se no espelho mais uma vez.
A imagem que via não fazia sentido.
Não fazia sentido com a imagem que criou dela mesma.

Então usou o batom quase todo gasto nas angústias das últimas noites para corrigir o espelho de seu equívoco: Menos cores, mais sangue, menos luz em seu rosto.
Eles não entenderiam”.-pensava ela, com angústia.

Ninguém entenderia o que era a solidão do seu mundo.
Do seu apartamento.
Do seu carro.
Do seu batom gasto nas noites de verão, gasto em ombros alheios, gasto para que sua própria imagem se gastasse um pouco dela e resolvesse se perder por aí para que outra ficasse, para que ficasse,em paz.
Para ver se sua imagem impregnava em alguém e a salvava dela mesma.
Do seu próprio olhar no espelho.
Dos seus desejos.
Desse desejo de passado que não a deixava viver o futuro e torna o presente uma imagem pausada no vídeo.
_”Não aguento esse espelho.”

Me movo na noite em silêncio, com a esperança presa nos sapatos. –escreveu, de repente, atrás de um papel amassado encontrado na bolsa.
_Droga, pisei de novo.

_Tudo bem”.– pensou. Tinha passos novos para pisar ou mesmo continuar parada. Afinal de que adianta caminhar quando se sentia paralisada feito uma estátua. Paralisada de solidão.
Foi quando seus pés descalços –“quem sabe sem sapatos piso menos na minha própria sombra” – caminhou até o telefone.
_Alô.
_Oi. (suspiro) Sou eu.
_(suspiro) Oi.
_Tá frio hoje, né?
_(suspiro).
_Eu só queria te falar uma coisa. Mas queria que você ouvisse e parasse de suspirar tanto. De suspirar esses suspiros de quem não sabe como respirar.
_(suspiro)
_Volta.
_Não posso.
_Volta.
_Por que?
_Volta e pronto.
_Pra onde? Pra quem?

Em silêncio se perguntou a mesma coisa, e correu até o espelho para se ver novamente. Para ver a imagem que o espelho mostrava e que ela havia corrigido.

-Pra quem? –perguntou em voz alta.

Abriu o espelho para ver se atrás dele outra imagem se revelaria.

Mais verdadeira mais limpa quem sabe. A imagem por detrás da imagem.
Um vidro de calmantes caiu na pia. Ergueu a cabeça e viu mais três.
Dois calmantes e um estimulante.

Seria essa a verdadeira imagem? Não. O resto era imagem, isso era ela por dentro. Viu uns sinais de mofo em alguns cantos do suporte para escova de dentes. Sentiu nojo de si. Correu até o telefone. Para sua surpresa ainda podia ouvir a respiração dele, e seu suspiro.
_Volta? –dessa vez sua voz já estava mais firme.
_Para quem? Pra que?

Dessa vez ela não sabia a resposta. Talvez porque fosse óbvia demais. Mas era o que ele queria, a verdade, mesmo que fosse óbvia, era importante ouvir a verdade.
_Por que tem lugar aqui pra você. –pensou mais um pouco e tomou coragem _
Porque a noite tá fria e com você ela fica menos fria. Porque mesmo que a noite seja escura, juntos a gente esquece um pouco.
_(suspiro)
_E então?
_Você ainda não me respondeu.

Ela não queria responder. Porque ela não queria ter que se olhar de novo no espelho.

Com muito esforço largou o telefone de novo sobre a cama, e caminhou pesadamente até o banheiro. Pegou um pedaço de papel higiênico e esfregou com vontade no vidro do espelho. Mas quanto mais tentava limpar a imagem inventada de si mesma, mais sua própria imagem se manchava de vermelho.

Esfregava cada vez com mais violência, até que com lágrimas escorrendo pelas faces e a força do seu punho rachou sua antiga imagem do vidro, e quebrou o espelho. Viu os cacos caindo um a um na pia, numa coreografia que a fez sentir-se mais limpa. Nem sentiu alguns ferimentos na mão. Foi quando sem pensar, automaticamente como se fosse a coisa certa a fazer pegou os frascos dos seus remédios e despejou-os satisfeita no vaso sanitário, assim como o resto do batom. E deu descarga.

Voltou para o telefone.

_(suspiro)
_(Suspiro)
_Você ainda não me respondeu.
_Pra mim!
_Você não me respondeu.
_O que você quer que eu diga para que você volte?
_Eu quero saber quem vai estar me esperando quando eu voltar.
_(suspiro)
_(suspiro)
_Eu não sei.

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